Otimizar o uso da terra exige planejamento capaz de trazer vantagens agronômicas e retorno econômico ao produtor. Esta é a proposta do projeto de Integração Lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que foi tema do terceiro módulo da capacitação Embrapa e Sistema OCB-Sescoop, realizado nos dias 25, 26 e 27 de junho, em Passo Fundo, RS. Na Região Sul a área agricultável é estimada em 45 milhões de hectares. O uso desta área conta com lavouras em 35%, pastagens naturais em 34%, pastagens plantadas em 13%, florestas naturais em 11% e florestas plantadas em 4%.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Trigo Renato Fontaneli, a ILPF pode trazer muitas vantagens aos sistemas produtivos da Região Sul (PR, RS e SC), com possibilidade de adequar as tecnologias às diferenças regionais. “Podemos incluir o componente florestal, apenas a pecuária e a produção de grãos, combinar modelos com cultivos de inverno e de verão, em solo arenoso ou encharcado, campo nativo ou pasto cultivado, entre outros. É preciso adaptar as tecnologias disponíveis às necessidades da propriedade de forma a otimizar o sistema produtivo”, explica Fontaneli.
Para o Presidente da Fecoagro/RS, Paulo Pires, a intensificação do sistema produtivo é a saída para a estabilidade financeira do produtor, principalmente com o melhor uso do inverno: “Estamos apostando no trigo como a melhor alternativa para rentabilizar o produtor no inverno, mas certamente a movimentação da propriedade depende da diversificação, buscando várias opções capazes de gerar renda na mesma área. Neste contexto os sistemas integrados mostram viabilidade técnica e econômica”.
Paulo Pires também apresentou a Rede Técnica das Cooperativas (RTC), criada em 2018, agregando as áreas técnicas de pesquisa e mercado de 32 cooperativas agropecuárias gaúchas. Segundo ele, o foco da RTC é criar um corpo de pesquisa integrado que dê suporte às cooperativas, otimizando os custos e a aplicabilidade dos estudos desenvolvidos e permitindo a troca de ideias e compartilhamento de informações.
Vantagens agronômicas do ILPF
Uma das principais vantagens agronômicas do sistema ILPF na Região Sul é a melhoria do solo. A rápida cobertura do solo logo após a colheita de grãos é possível com a introdução de gramíneas e leguminosas que, além de proteger contra intempéries (déficit hídrico, enxurradas), promovem melhorias químicas e físicas no solo com a incorporação de raízes, palhada para plantio direto, controle de plantas daninhas, maior teor de matéria orgânica e fixação de nitrogênio através de leguminosas forrageiras, entre outros benefícios.
Contudo, para usufruir dos benefícios dos sistemas integrados é preciso planejamento de uso das áreas com ILPF em curto, médio e longo prazos. “O produtor vê a boa oferta de forragem e coloca muitos animais no piquete, uma superlotação que ‘rapa’ o pasto, causando problemas de erosão, baixa fertilidade, trazendo pragas e doenças para a área”, alerta o pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, Júlio Cesar Salton. Conforme o pesquisador, a pecuária em solo degradado pode implicar num prejuízo de R$ 133,00 por hectare na margem operacional, com ganho de peso diário até três vezes menor do que a engorda numa boa pastagem. A espera para o abate também pode levar o dobro do tempo, aumentando de dois para quatro anos em função da qualidade da pastagem.
Para verificar como funciona a ILPF na prática, a turma de 40 profissionais dos departamentos técnicos das cooperativas participantes da capacitação Embrapa-OCB-Sescoop, visitou produtores na região norte do Rio Grande do Sul para avaliar in loco os resultados com os sistemas integrados. Em Boa Vista das Missões/RS, a visita ao produtor Ivonei Librelotto, com assistência técnica do engenheiro agrônomo Ruben Kudiess, mostrou resultados de integração lavoura-pecuária na produção de grãos, associada à engorda de novilhos em pastagem de trigo BRS Tarumã e BRS Pastoreio. O investimento em genética e planejamento forrageiro, somados a boas práticas de manejo, permitiram aumentar o rendimento de grãos em quatro vezes e aumentar a produção de carne em oito vezes. Em produção de leite, na fazenda vizinha de Ari Busanello, otimizar o inverno permitiu atingir a média diária de produção no leite de 34 litros/vaca (enquanto a média no RS é de 10,5 litros/vaca/dia).
Os produtores visitados representam o modelo mais utilizado no Brasil, a integração lavoura-pecuária, que representa 83% dos sistemas de produção integrados em uso no País. Contudo, o engenheiro florestal Gilmar Deponti, da Emater/RS – regional de Santa Maria, avalia que na produção agropecuária o animal precisa de água, alimento e sombra. Ele argumenta que as árvores deixam o ambiente menos quente no verão e menos frio no inverno: “a redução da temperatura na sombra das árvores pode chegar a 8ºC no verão, trazendo bem-estar animal que pode refletir no retorno final da produção”. Quanto à possível redução na produtividade de grãos ou no volume das pastagens em função do sombreamento, o engenheiro florestal explica que “em ILPF, mesmo com menor produção em algum componente do sistema, o conjunto da propriedade torna-se mais sustentável e rentável”, lembrando que, embora a produção de madeira seja menor no sistema ILPF, geralmente, atinge maior valor de mercado.
Cultivos de inverno, como o trigo, na cobertura do solo – Foto: Giovane Faé
Somente no Rio Grande do Sul, estão registrados na Ageflor quase 800 mil hectares de florestas comerciais, ou seja, silvicultura convencional. Espaço, segundo os especialistas, com grande potencial para crescimento do ILPF no Estado. “Em regiões campestres, é melhor o produtor cultivar árvores de forma dispersa, transformadas em energia, cerca e palanques para consumo na propriedade. Para quem trabalha com silvicultura convencional, basta fazer um forte raleio para transformar em sistema silvipastoril (árvores + pastagem)”, esclarece Gilmar Deponti.
Para o engenheiro agrônomo da Cotribá, Vinícius Floss, a maior dificuldade está em convencer o produtor a adotar o componente florestal: “o cooperado nem sempre consegue enxergar a propriedade de forma integrada. As vacas geralmente estão separadas da lavoura de grãos. Vejo o ILPF como uma estratégia importante para mostrar ao produtor que é possível, rentável e seguro, trabalhar com sistemas integrados. Mas no caso das árvores, é difícil convencer para um investimento que trará retorno a longo prazo. Criou-se na agricultura a busca por respostas rápidas, tecnologias prontas e com pouco critério agronômico. Precisamos de tempo para alcançar estas transformações preconizadas pelo ILPF”, diz Floss.
Participam da capacitação Embrapa e Sistema OCB-Sescoop na cadeia produtiva de cereais de inverno 2019 profissionais dos departamentos técnicos das cooperativas Cooperante, Cocamar, Coamo, Camnpal, Cotriel, Coopatrigo, Coasa, Cotapel, Cotripal, Coagril, Cotribá, Coopermil, Cotrisal, Cotricampo, Cotrijal, CCGL e Auriverde, além da Fecoagro/SC e do Senar/RS.
Fonte: Embrapa Trigo