Ageflor – Associação Gaúcha de Empresas Florestais

Projeto da UFSM auxilia na produção sustentável de carvão vegetal

Tecnologia do forno-fornalha, implementada por docente da UFSM, auxilia na redução do impacto ambiental e no desenvolvimento regional

No Rio Grande do Sul o carvão vegetal é utilizado, fundamentalmente, para fins alimentares, para o aquecimento de churrasqueiras e fornos de pizzarias, por exemplo. Porém, sua produção esbarra em problemas graves como a poluição elevada e a baixa produtividade. Assim, a tecnologia proposta pelo coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal da UFSM, Jorge Antonio de Farias, chamada forno-fornalha, surge como um antídoto para estes problemas. Pois, além de reduzir drasticamente a poluição, a técnica aumenta a produtividade e qualidade do carvão. Dessa forma, o mesmo volume de lenha produz mais carvão em peso e em volume, medidas determinantes na carvoaria.

A produção de carvão sustentável regional une a sustentabilidade e a geração de renda, promovendo o desenvolvimento local. O fomento desta iniciativa é uma parceria entre o Grupo de Economia e Política Florestal (EP Florestal) da UFSM, liderado por Jorge, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) e a Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Produção do carvão vegetal

A transformação da madeira em carvão é um processo físico-químico, que necessita, essencialmente, de três elementos: energia, combustível e pouco oxigênio. A energia, gerada pelo calor do fogo, o combustível, proporcionado pela lenha em umidade adequada, e a ausência ou redução significativa do teor de oxigênio no ambiente, dão origem ao processo chamado de carbonização. Nele, ocorre a queima da madeira, em uma temperatura que ultrapassa os 400 ºC no interior do forno, mas que não incendeia ou cria chamas, graças ao baixo contato com o oxigênio.

Tanto no forno tradicional quanto no forno-fornalha, esse processo inicial é o mesmo, porém os resultados são bem diferentes. Enquanto o tradicional apresenta apenas a estrutura básica de um forno comum, com apenas uma torre que libera diretamente todos os gases resultantes do processo da carbonização, o forno-fornalha, além de possuir a estrutura do forno, também conta com a fornalha, onde se concentra sua tecnologia diferencial. É através da fornalha que os gases são canalizados e queimados, liberando dióxido de carbono (CO₂) em vapor d’água, que gera um impacto mínimo à atmosfera.

Estrutura do forno

Apesar de visualmente serem semelhantes, as estruturas dos fornos sofrem mudanças substanciais. O forno-fornalha apresenta um sistema de controle do fluxo de ar diferente, além de ter a cúpula do teto com ângulos diferentes. Dessa forma, o produtor de carvão vegetal que deseja adotar a tecnologia terá que construir um novo forno, pois não há como adaptar um forno comum para um forno-fornalha. Porém, é um processo viável economicamente, visto que ele é feito de materiais de fácil acesso.

Os fornos-fornalha são feitos de tijolos, que, além de baratos, aguentam as elevadas temperaturas geradas na produção. O barro é usado no reboco, tanto para facilitar a abertura e fechamento das portas do forno quanto para auxiliar na dilatação, causada pelo aquecimento e esfriamento do processo. Mas a matéria-prima mais curiosa é, sem dúvida, o açúcar. Na composição, ele é utilizado para dar liga e evitar que o reboco de barro trinque ou apresente rachaduras, que possam permitir a entrada de oxigênio ou a liberação de fumaça e comprometer todo o processo de produção do carvão.

Sustentabilidade e qualidade de vida

As regras estipuladas pelos órgãos ambientais determinam uma distância mínima entre os fornos tradicionais e as casas, ruas ou qualquer edificação, de 300 a 400 metros. Essa medida serve para proteger da fuligem e do desconforto gerado pelos resíduos poluentes liberados na fumaça do processo de carbonização. No caso do forno-fornalha, essa realidade também é bastante diferente.

Produtores de carvão vegetal sustentável, Zenaide e Semildo Dumke, de Restinga Seca, residem a poucos metros do equipamento. O casal descobriu a técnica a partir de uma reportagem exibida na televisão, se interessou e entrou em contato com a Emater. A partir disso, foram encaminhados ao professor Jorge, que os auxiliou no processo de implementação do forno-fornalha. Atualmente, já possuem três fornos, com capacidade de produzir três toneladas de carvão por vez.

Parcerias

Foi através da colaboração com pesquisadores da UFV, principalmente com a professora de Engenharia Florestal Angélica de Cássia Carneiro, que o grupo pôde absorver e implementar a técnica de produção de carvão vegetal na região. Junto com a UFV, o grupo também desenvolveu materiais didáticos que explicam todo o processo de construção dos fornos de carvão e a operação do sistema. Essa troca permanente permite o intercâmbio constante de materiais para análise, participação em bancas e coautorias em produções científicas. Segundo Jorge, a relação com os colegas mineiros vai além do técnico-científico, mas também é pessoal.

Já a parceria com a Emater, que também se mantém a longo prazo e ajuda a difundir a tecnologia, teve um papel fundamental na criação do projeto. É por meio da empresa que são repassadas demandas dos produtores, tanto os que têm o interesse em começar a produzir o carvão vegetal usando o forno-fornalha, como foi o caso de Zenaide e Semildo, quanto os que desejam aprimorar sua produção já ativa. Por intermédio da empresa, o grupo consegue chegar de forma mais assertiva ao público-alvo do projeto, fazer visitas, pensar em ações, eventos, entre outras iniciativas.

Surgimento do projeto

A iniciativa surgiu a partir de um edital de 2018 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que tinha como objetivo fomentar o cooperativismo. A partir disso, o projeto foi montado pensando em conciliar a produção de florestas na pecuária familiar com a produção de carvão vegetal, e integrá-las com as cooperativas de crédito, que seriam responsáveis por financiar a produção, e as cooperativas de produção, que poderiam comercializar os produtos resultantes.

A produção de florestas na agricultura familiar é implantada na área de Santa Maria até a fronteira, região chamada de fronteira centro-oeste, pela Emater regional de Santa Maria, através de um programa chamado Silvipastoril. Neste modelo, ocorre o consórcio entre florestas, pastagens e gado manejados de forma integrada. Assim, utiliza-se o eucalipto, componente florestal de rápido crescimento, para auxiliar no conforto térmico e na qualidade da pastagem dos animais. Porém, como o objetivo não é a produção específica de madeira, surge a necessidade de encontrar uma finalidade para o material, de forma proveitosa e rentável para os produtores.

Oportunidade que gera impacto social

Ao se deparar com a oportunidade do edital e necessidade de utilizar a madeira, Jorge também percebeu a falta de produção carvoeira na região centro-oeste, que a torna dependente de regiões como o Vale do Taquari e o Vale do Caí, que são localidades tradicionalmente fortes na indústria. Dessa forma, o professor uniu sua experiência na pesquisa das cadeias produtivas do estado, voltada principalmente à área florestal, para encontrar uma solução sustentável e rentável.

Porém, mesmo com todas essas motivações para chegar ao modelo do projeto, Jorge atribui a ideia, antes disso, à forma na qual pensa a pesquisa. “Eu acho que todas as nossas pesquisas devem resultar em benefícios para a sociedade e no desenvolvimento regional. Nós fizemos isso com o carvão, estamos fazendo isso com outras ações de pesquisa, que vão resultar em ações de extensão, e temos grandes esperanças que isso melhore a vida das pessoas gerando desenvolvimento regional”.

Recursos e desafios

Com a aprovação no edital de cooperativismo do CNPq, o projeto foi contemplado com recursos e o grupo pôde visitar produtores e implantar unidades de referência em Restinga Seca e São Pedro do Sul. Também fez reuniões preliminares com a Prefeitura de São Pedro do Sul, em busca de incentivo para organização da cooperativa de produtores de carvão da região, mas por questões administrativas acabou não obtendo os resultados esperados no momento. Além disso, com o término do período de vigência e dos recursos do edital, o projeto atualmente não tem financiamento para visitar os produtores e recomeçar a mobilização da cooperativa.

No momento o grupo está na expectativa de um novo edital, interno ou externo, para dar continuidade ao trabalho e para registrá-lo formalmente no Gabinete de Projetos da UFSM como extensão e pesquisa. “Nós não desistimos. A nossa ideia é retomar o projeto de criação desta cooperativa, juntamente com a Emater. O cooperativismo é um sonho antigo e é o que vai viabilizar esse desejo de que a produção de carvão e a produção florestal na pecuária familiar possam gerar desenvolvimento regional, possam contribuir com a complementação de renda dessas famílias”, ressalta Jorge.

Para o professor, o importante é mostrar que a produção de carvão vegetal sustentável tem um grande potencial de crescimento e que “não é apenas um desejo de um pesquisador ou uma intuição, é um fato”. Segundo ele, com a organização institucional, financeira e tecnológica, é possível ter um arranjo produtivo em torno do carvão e não apenas atender a demanda local, como também participar do cenário internacional de exportação de carvão.

“É um sonho, mas é o que nos motiva. Temos que acordar sempre de manhã pensando em novas conquistas e em dar um passo à frente do ponto até onde nós chegamos. Então eu penso assim, acho que um passo de cada vez, obviamente, mas é importante a gente saber onde essa nossa caminhada que nós estamos começando agora com essa pesquisa tem potencial de nos levar”.

Texto: Júlia Weber, estudante de Jornalismo e estagiária da Agência de Notícias

Fotos: Ana Alícia Flores, estudante de Desenho Industrial e estagiária da Agência de Notícias

Artes gráficas: Daniel de Carli

Edição: Lucas Casali

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