Fatores como sustentabilidade, conforto e maior supressão de ruído contribuem para apelo do material junto a nova geração de construtores e consumidores. País já possui centenas de empresas especializadas em atividade no setor, e tem potencial para se tornar um relevante ator global neste mercado, que está em expansão.
Por Diego Braga Norte para o Jornal da Unesp
A construção de um prédio na cidade de São Paulo está longe de ser motivo de atenção especial. Todo dia inicia-se ou finaliza-se um novo edifício na maior metrópole da América Latina. No entanto, um condomínio que está neste momento sendo erguido na Vila Madalena, bairro da zona oeste da capital paulista, vem atraindo curiosidade dos atores do mercado da construção civil, e também de quem passa pela rua Araioses. Trata-se do primeiro prédio residencial de madeira do Brasil, o condomínio Meu Arvoredo.
O prédio de seis andares tem unidades luxuosas com preços a partir de mais de R$ 5 milhões e deve ser finalizado em meados do ano que vem. Por seu tamanho, ineditismo e beleza, é um indicativo de uma tendência observada na construção civil, no Brasil e no mundo: o aumento das construções em madeira para propósitos residenciais e comerciais. “Vejo no mercado a tendência de começar primeiro pelas edificações de alto padrão. Até para criar uma cultura, e popularizar um pouco mais o desejo do usuário comum por uma construção em madeira”, avalia Ângela Valle, professora de estruturas e construções em madeira na graduação e pós de Engenharia Civil da UFSC.
A lista de “vitrines” para o uso de madeira em construção inclui o shopping Iguatemi de Fortaleza, no Ceará, e certas unidades da lanchonete McDonald’s em Búzios, no Rio de Janeiro, e na cidade de São Paulo. Com menos visibilidade, o material está sendo empregado também para erguer casas de alto padrão, pousadas, hotéis e resorts de luxo.
Todos os casos mencionados acima compartilham do uso de técnicas bem avançadas de construção. Não que aquelas casas antigas de madeira, feitas com tábuas horizontais e muito comuns no interior, estejam condenadas a desaparecer. No entanto, as formas de construção mais modernas utilizam as chamadas madeiras engenheiradas. O termo serve para especificar peças desenhadas e processadas para a montagem de kits de fabricação de obras em madeira. São vigas, placas e painéis que utilizam sobreposição, colagens de tábuas e encaixes muito resistentes, tornando os materiais tão robustos quanto uma estrutura de concreto e aço.
Na Europa, na Ásia e no Chile, já há prédios de madeira engenheirada com mais de dez andares. O professor e pesquisador Victor de Araújo, docente do curso de Engenharia Industrial Madeireira na Unesp de Itapeva, e também da pós-graduação da Unesp de Ilha Solteira, conta que já visitou ao menos meia dúzia de edifícios de madeira com mais de dez andares na Europa. “Na Noruega existem prédios com 20 andares feitos integralmente em madeira, e um de 25 andares está em construção”, diz.
Nos últimos Jogos Olímpicos de Paris, uma das estruturas que mais chamou a atenção foi a arena de esportes aquáticos. Construída em Seine-Saint-Denis, um dos bairros mais pobres de Paris e que não possuía qualquer instalação esportiva, o prédio é o único que foi feito para permanecer como legado; todas as demais instalações já estavam prontas ou eram provisórias. A cobertura e as paredes são todas de madeira, com destaque para o teto curvo com desenho e materiais que aproveitam a iluminação natural e reduzem em 30% o volume de ar a ser aquecido, economizando energia.
Se as técnicas atuais se mostram mais modernas, sustentáveis, seguras e capazes de suportar muito mais peso, Araújo lembra que edificações de madeira longevas (algumas com mais de centenas de anos) são comuns no Hemisfério Norte. Na Ásia, há templos de madeira com séculos de existência. O Horyu-ji, templo budista em Nara, no Japão, foi inaugurado no ano 607.
“Não é possível estimar uma durabilidade geral, visto que esse período depende de fatores diferentes. Isso inclui o sistema construtivo em uso, os materiais aplicados e suas formas de preservação”, explica o docente. Ele ressalta que as técnicas atuais de conservação se mostram bem mais avançadas, e conseguem evitar que as construções absorvam água ou sejam contaminadas por insetos ou por fungos que induzem o apodrecimento da madeira.
No Brasil, mais de 200 empresas
Em uma das suas pesquisas, Araújo constatou que em 2014 existiam pouco mais de 50 produtores de casas pré-fabricadas em madeira — em sua contagem entram apenas aa técnicas de madeira engenheirada, excluindo construtores artesanais. Dez anos depois, já há mais de 200 empresas que prestam esse serviço e o total de companhias envolvidas com todo o setor já soma 378, incluindo produtores fabris, montadores, fornecedores de kits pré-fabricados e estúdios de arquitetura especializados em obras com madeira. “Esse levantamento aponta um setor produtivo muito diversificado e consistente. Embora a maior parte dessas empresas esteja presente nos estados do Sul e Sudeste, elas prestam serviço no Brasil todo e até no exterior”, explica o especialista.
Outro fator determinante para o crescimento do setor foi a chegada de grandes grupos com capital para investir. Algumas empresas nacionais receberam aportes de companhias chilenas e mexicanas, com muita experiência no setor. E há ainda grandes construtoras nacionais que estão diversificando seus negócios, e passando a oferecer também imóveis de madeira. É o caso do grupo Tenda, que investiu R$ 75 milhões para construir uma grande fábrica de madeira engenheirada em Santa Bárbara do Oeste, em São Paulo. A planta fabril vai ser capaz de produzir material para erguer 10 mil casas por ano (hoje no país são construídas cerca de 15 mil edificações de madeira engenheirada anualmente, incluindo casas e prédios comerciais).
Com a diversificação de empresas e mais ofertas disponíveis, o preço tende a ficar mais competitivo e, em alguns casos, com obras finais mais baratas do que as construções em alvenaria de tamanhos semelhantes. De olho nas tendências do mercado, algumas unidades em madeira da Tenda são acessíveis para um público consumidor muito amplo. Há, por exemplo, casas com dois dormitórios, área de 50 metros quadrados, com preços a partir de R$ 200 mil.
Ainda assim, Maristela Gava, professora do curso de Engenharia Industrial Madeireira da Unesp, observa que o custo “é um ponto a ser melhorado devido à dificuldade de se conseguir madeira com qualidade adequada para a construção civil”. Mas ela afirma que a tendência é o preço cair diante do aumento da demanda por construções em madeira. “No caso das obras em grande escala, como condomínios, é natural que os custos diminuam em função do volume de materiais negociados”, diz ela.
Além do apelo estético, construções em madeira oferecem outras vantagens. Talvez a mais imediata seja a sustentabilidade do material. As construções de madeira engenheirada utilizam o pinus, uma árvore de rápido crescimento e alta durabilidade.
Além do fato e que as árvores absorvem carbono durante o crescimento, sua manufatura emite muito menos resíduos e gases de efeito estufa do que a fabricação de tijolos, concreto ou aço, por exemplo.
Aqui no Brasil, os pinus (os populares pinheiros) são espécimes exógenas, provenientes de florestas plantadas particulares, que vendem o produto legalmente. O professor Araújo diz que ainda há no país o uso ilegal de madeiras nativas (como o jacarandá, jequitibá, peroba-rosa e outras), mas essa prática não é adotada pelas fabricantes e construtoras já estabelecidas no mercado, pois isso inviabilizaria o negócio devido ao altíssimo risco de multas pesadas e cassação de licenças. Ainda sobre a sustentabilidade, uma construção em madeira gasta menos água, emite menos gases de efeito estufa e é muito mais silenciosa do que uma obra de tijolos, concreto e vigas de aço.
A professora Gava aponta que outra grande vantagem é o tempo. “Enquanto em uma construção convencional são necessários cerca de 12 meses para finalizar, a mesma edificação em madeira fica pronta em 6 meses”, explica. Isso é possível porque as vigas, peças e placas vêm das fábricas prontas para serem encaixadas, o que agiliza a obra.
E também há pontos favoráveis em termos do conforto térmico e acústico das construções em madeira. A especialista explica que “a madeira, por ser um material mau condutor de calor, dificulta a transmissão de calor do exterior para o interior nos dias quentes e também a perda de calor do interior para o exterior das edificações nos dias mais frios”. Além disso, a madeira é mais isolante, absorve e veda melhor os sons externos — algo bem valorizado em áreas próximas a vias movimentadas ou mesmo em empreendimentos que prometem o silêncio, como hotéis e pousadas.
Formação na Unesp favorece entrada no mercado
O curso de Engenharia Industrial Madeireira da Unesp é o segundo do gênero no Brasil. Sob outro nome, a graduação é oferecida também na UFES, em Vitória, e na UFPel, em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Victor Araújo diz que a graduação da Unesp é a mais voltada para o conhecimento com construções em madeira. “Isso é uma vantagem, pois no mercado do Brasil e do mundo está crescendo a demanda por construção civil em madeiras.” Ângela Valle concorda. “Os alunos da Unesp têm um conhecimento maior sobre a fabricação de materiais de construção em madeira”. Para ela, “isso é algo que facilita a entrada desses egressos no mercado de trabalho”.
Maristela Gava diz ser comum receber “solicitações de empresas para indicação de alunos e ex-alunos para preencherem vagas de estágio e emprego”. Ela está à frente de um projeto de extensão que envolve a instalação de uma fábrica-escola de casas sustentáveis no assentamento rural Fazenda Pirituba II, em Itapeva. “O objetivo é capacitar mão de obra local e gerar oportunidades de estágio e atividades curriculares para nossos alunos”, explica. O projeto está em suas etapas iniciais.
“Hoje precisamos expandir esse curso para outras regiões, sobretudo Norte e Nordeste”, analisa Araújo, lembrando que o Brasil, que até já exporta madeira engenheirada, pode ser um player global do setor. “Temos tudo para isso. Temos cursos altamente qualificados, profissionais competentes, empresas e enorme disponibilidade para produzir a matéria-prima em grande escala, algo que nenhum outro país possui”, diz.