Ageflor – Associação Gaúcha de Empresas Florestais

Artigo: Campos de altitude, mais um caso de autuação contrária à legislação

Foto: PGE-SC

Por Elisa Ulbricht, pós-graduada em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali-SC).


O equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental é garantido por um robusto arcabouço jurídico no Brasil. Empresas dos mais variados setores são obrigadas a cumprir normas ambientais rígidas, obtendo licenças e autorizações, bem como adotando medidas de mitigação e controle, como ocorre no setor da silvicultura. Para essa atividade, no bioma Mata Atlântica, a supressão de vegetação possui regramentos específicos previstos na Lei 11.420/2006 e no Decreto 6.660/2008, como também na Lei 12.651/2012 (Código Florestal).

No entanto, há situações em que empresas mesmo atuando de maneira regular e em conformidade com a legislação ambiental, são autuadas pelos órgãos públicos. Essas autuações indevidas podem ocorrer, por exemplo, por falhas na análise técnica, por divergências na interpretação das normas e divergências na aplicabilidade do Código Florestal no bioma Mata Atlântica.

Campos de altitude

De forma a ilustrar isso, recentemente a Justiça Federal de Santa Catarina noticiou [1] em seu sítio que foi concedida liminar para suspender o pagamento de multas aplicadas pelo Ibama a uma empresa de reflorestamento por suposta supressão de vegetação de Mata Atlântica para plantio de pinus, em áreas consideradas “campos de altitude”. Tal formação florística integra o bioma Mata Atlântica, embora a lei federal (Lei 11.420/2006) não tenha definido o que são “campos de altitude”.

Acontece que em razão dessa omissão, o estado de Santa Catarina teria exercido a competência legislativa plena prevista no artigo 24, §3º, da Constituição ao editar o artigo 28, XV, da Lei Estadual nº 14.675/2009 (Código Estadual do Meio Ambiente) atual artigo 28-A, XV da lei estadual, o qual estabeleceu que “campos de altitude” são áreas situadas acima de 1.500 metros de altitude, em âmbito estadual, assim dispondo:

“Art. 28-A Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:

[…]

XV – campos de altitude: ocorrem acima de 1.500 (mil e quinhentos) metros e são constituídos por vegetação com estrutura arbustiva e/ou herbácea, predominando em clima subtropical ou temperado, definido por uma ruptura na sequência natural das espécies presentes e nas formações fisionômicas, formando comunidades florísticas próprias dessa vegetação, caracterizadas por endemismos, sendo que no Estado os campos de altitude estão associados à Floresta Ombrófila Densa ou à Floresta Ombrófila Mista;”

Referido dispositivo foi impugnado em ação direta de inconstitucionalidade [2] ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MP-SC), que questionou sua constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC). O MP-SC alegou que a lei estadual tratou de modo inovador o conceito de campos de altitude, de modo a reduzir a sua hipótese de incidência se comparada a Resolução 10/1993 do Conama, que “não vincula campo de altitude à vegetação típica que ocorre em altitudes acima de 1.500 metros”. Ao julgar a ADI, em 5/6/2019, o TJ-SC entendeu pela constitucionalidade do referido dispositivo legal e a decisão foi mantida pelo STF, que conferiu efeito vinculante e eficácia contra todos.

Desse modo, no estado de Santa Catarina, vigora o conceito de “campos de altitude” definido no artigo 28-A, XV, da Lei Estadual nº 14.675/2009, que se refere às áreas localizadas acima de 1.500 metros de altitude, desde o trânsito em julgado em 23/4/2022.

Novas autuações

Ainda assim, em 28/6/2024, mesmo após declarada a constitucionalidade do dispositivo sobre campos de altitude da lei estadual, bem como a atividade estar devidamente licenciada pelo órgão ambiental estadual, a empresa de reflorestamento sofreu autuações, com multa e termo de embargo por parte do Ibama, que alegou que a fiscalização nas áreas objeto das autuações teria sido realizada a pedido do MP-SC, que solicitou informações para elucidar denúncias relativas à supressão de vegetação nativa de áreas superiores a 50 hectares, em razão de atribuições da União (artigo 14, § 1º, da Lei 11.428/2006 e artigo 19, inciso I, do Decreto 6.660/2008).

No caso, a empresa ajuizou medida perante a Justiça Federal de Florianópolis para suspender a exigibilidade de multa e embargos contra o Ibama. O juízo, após a manifestação do Ibama, deferiu a suspensão da exigibilidade da multa e embargo por entender que: a) a atividade estava sendo realizada em área situada abaixo de 1.500 metros de altitude, não se amoldando ao conceito de campos de altitude; b) a área não era coberta por vegetação nativa de especial preservação, o que dispensa autorização do Ibama para supressão para uso alternativo do solo; e c) o artigo da lei estadual foi declarado constitucional, não sendo dado ao Ibama negar-lhe vigência.

Ambiente de negócios requer previsibilidade

De longa data, essas autuações vêm preocupando o setor empresarial, em razão do uso abusivo de ações e autuações indevidas por órgãos públicos, mesmo quando as empresas operam dentro dos parâmetros legais e possuem todas as licenças necessárias. Essas condutas podem ser caracterizadas como temerárias e de abuso de direito, por violação aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, trazendo insegurança jurídica, bem como gerando prejuízos ao setor produtivo. Além de causar impacto econômico imediato, essas autuações podem macular a reputação da empresa, resultando em perda de contratos e dificuldades na obtenção de crédito.

Em muitos casos, os órgãos públicos desconsideram as licenças válidas emitidas pelos próprios órgãos ambientais, questionando seu mérito de forma genérica, sem apresentar provas concretas de danos ao meio ambiente ou qualquer indício de ilegalidade. Isso já resultou até na condenação do Ministério Público do Distrito Federal por litigância de má-fé [3].

As empresas que cumprem as exigências legais, obtêm licenças e seguem as normas ambientais precisam ter a garantia de que suas atividades não serão interrompidas injustificadamente por autuações abusivas ou ações sem fundamento sólido. Sem essa previsibilidade, o ambiente de negócios torna-se instável e desestimulante para investimentos, especialmente em setores que demandam grande capital e planejamento de longo prazo.

Portanto, embora a fiscalização e a atuação judicial sejam fundamentais para a preservação ambiental, o exercício abusivo desses poderes, por meio de ações temerárias e autuações indevidas, prejudica o setor produtivo e compromete o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis. O respeito à segurança jurídica e à boa-fé é essencial e para que empresas que operam dentro da legalidade e adotam práticas sustentáveis tenham a confiança de que não serão punidas injustamente, sendo portanto, necessário buscar um equilíbrio nas ações fiscalizatórias e judiciais, de modo a garantir a continuidade da atividade devidamente licenciada, crescimento econômico do setor e competitividade no mercado mundial.

[1] https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=28511

[2] ADI 8000030-60.2017.8.24.0000

[3] https://direitoambiental.com/ministerio-publico-condenado-por-ma-fe-em-acao-civil-publica/

Fonte: Conjur – Consultor Jurídico

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