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Câmara aprova projeto que regulamenta o mercado de carbono no Brasil; texto segue para sanção

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (19) projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. A proposta estipula um mercado regulado e um mercado voluntário de títulos representativos de emissão ou remoção de gases do efeito estufa. Empresas que mais poluem deverão seguir meta de emissão, podendo usar esses títulos para compensá-la.

O texto que será enviado à sanção presidencial é um substitutivo do Senado ao Projeto de Lei 182/24. O relator, deputado Aliel Machado (PV-PR), afirmou que a proposta representa um marco crucial na trajetória brasileira em direção à sustentabilidade e ao combate às mudanças do clima. “Temos a oportunidade de unir as duas principais agendas do País em uma só: a discussão econômica e a agenda ambiental.”

O mercado regulado de títulos será implantado de forma gradativa ao longo de seis anos. Denominado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), esse mercado permitirá a negociação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e de certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVE).

Contexto internacional
Aliel Machado disse que medidas como o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), mecanismo de taxação de carbono aduaneiro para produtos exportados para a União Europeia (UE), trariam prejuízos bilionários aos exportadores brasileiros, caso não conseguissem demonstrar os seus diferenciais de descarbonização em relação à concorrência. “Muito mais barato precificar as emissões no Brasil do que esperar que isso aconteça nos países importadores, nivelando injustamente a nossa produção, notavelmente limpa, à dos piores emissores de gases de efeito estufa em nível internacional”, disse.

Machado destacou que o mercado voluntário de crédito de carbono é uma grande oportunidade para o Brasil, pelo estoque de carbono nas florestas nacionais. Esse mercado se caracteriza pela aquisição de créditos por parte de empresas, instituições e pessoas físicas que desejam estar alinhadas com a estratégia climática, de modo a minimizar os impactos do aquecimento global.

Setor agropecuário
A agropecuária ficará de fora da regulação, e as emissões indiretas de dióxido de carbono e outros gases relacionados ao aquecimento global decorrentes da produção de insumos (fertilizantes, por exemplo) ou matérias-primas agropecuárias não serão consideradas para impor obrigações de contenção de emissão de gases.

Segundo dados do relatório denominado Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil (6ª edição-2022), do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, a participação do setor ficou em 28,5% das emissões totais em 2020.

Já o Observatório do Clima indica que as emissões do setor agropecuário em 2022 atingiram 617,2 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e), correspondendo a 27% das emissões nacionais.

Crise climática
O coordenador da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), defendeu a proposta como ferramenta para enfrentar a crise climática. “A maioria dos países do G20 já tem leis específicas sobre mercado de carbono e já estão muito à frente. Temos uma possibilidade muito grande para os projetos de reflorestamento”, afirmou.

Ele participou da delegação brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29) em Baku, capital do Azerbaijão, que vai até domingo (24).

Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), vice-líder da oposição, disse que a regulamentação atual tem sido ineficaz para conter o desmatamento ilegal, “o verdadeiro problema das emissões”. “É preciso trazer soluções que não conflitem com o desenvolvimento econômico sustentável”, disse.

Para o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), há avanços no texto do Senado, como o direito de consulta prévia aos territórios de povos indígenas e tradicionais; e o detalhamento de exigências mínimas para repartição justa e equitativa dos recursos pela comercialização dos créditos. “O Senado melhorou o projeto, reduziu alguns danos e faz com que a gente honre nossos compromissos no Acordo de Paris”, afirmou, ao citar o acordo internacional para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.

Períodos de compromisso
Segundo o projeto, cada cota ou CRVE representará uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) e, no caso do mercado regulado, ao fim de períodos de compromisso as empresas com atividades reguladas deverão fazer um levantamento das emissões líquidas (total de gases emitidos menos reduções ou captações) e haverá um cancelamento de ambos (um certificado de redução ou remoção permite cancelar uma cota de emissão de gases).

A ideia é que, após um tempo de adaptação, as atividades econômicas com mais dificuldades de reduzir emissões por processos tecnológicos comprem cotas para poluir e certificados que atestem a captação do que foi liberado na atmosfera, zerando a emissão líquida.

A compra e venda, quando realizada no mercado financeiro e de capitais, estará sujeita a regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas poderá haver colocação privada desses ativos (mercado voluntário).

A todo caso, o texto proíbe a tributação de emissões de gases do efeito estufa realizadas por atividades, instalações ou fontes reguladas pelo SBCE, cuja normatização caberá exclusivamente ao governo federal.

Quem será regulado
Terão algum tipo de controle as atividades que emitem acima de 10 mil tCO2e por ano, mas com diferentes obrigações. Aquelas com emissões acima desse patamar e até 25 mil tCO2e deverão submeter ao órgão gestor do SBCE um plano de monitoramento das emissões, enviar um relato anual de emissões e remoções de gases e atender a outras obrigações previstas em decreto ou ato específico desse órgão gestor.

Aqueles que operarem atividades com emissões acima de 25 mil tCO2e por ano, além dessas obrigações terão de enviar anualmente ao órgão gestor um relato de conciliação periódica de obrigações (emissão igual à captação).

Esses patamares de emissão poderão ser aumentados levando-se em conta o custo-efetividade da regulação e o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil perante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês).

Entretanto, essas obrigações somente se aplicam às atividades para as quais existam metodologias consolidadas para medir e verificar emissões, conforme definido pelo órgão gestor do SBCE.

Saneamento básico
Quanto ao setor de saneamento básico, o texto dispensa as empresas de tratamento e destinação final de resíduos sólidos e efluentes líquidos de cumprir os limites quando comprovadamente adotarem sistemas e tecnologias para neutralizar tais emissões.

Cinco fases
O mercado regulado será implantado em cinco fases. Na primeira, de 12 meses prorrogáveis por mais 12, deverão ser editados os regulamentos. Na fase seguinte, os operadores das atividades reguladas terão um ano para implantar instrumentos de medição para fazer o relato das emissões.

Na fase 3, de dois anos, esses operadores terão somente de apresentar, ao órgão gestor do sistema, um plano de monitoramento e um relato de emissões e remoções de gases de efeito estufa.

Na fase 4, terá vigência o primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição gratuita de cotas de emissão (CEB) e implementação do mercado de ativos (negociação em bolsa das cotas de emissão e dos certificados de remoção de gases).

A última fase resultará na implantação plena do SBCE.

Conceitos
O mecanismo criado pelo PL 182/24 prevê que as atividades reguladas terão de cumprir metas de redução de suas emissões dentro de um período de compromisso. Para detalhar o que foi emitido, o plano de monitoramento será um documento com a sistemática de medição e de verificação das emissões.

Para aqueles que emitem muito e precisam compensar as emissões com certificados de captação ou redução de gases, será exigido, ao fim do período de compromisso, uma conciliação periódica das obrigações, momento em que devem ter títulos suficientes para igualar emissões e reduções ou remoções de gases do efeito estufa.

O texto aprovado também introduz conceitos para o certificador de projetos ou programas de crédito de carbono, responsável por verificar a aplicação das metodologias de contagem do carbono; e para o desenvolvedor desses projetos, ao qual caberá a efetiva implantação do projeto.

Plano nacional
Para cada período de compromisso, um Plano Nacional de Alocação definirá o limite máximo de emissões, a quantidade de CBEs a ser alocada entre os operadores e o percentual máximo de CRVEs admitidos na conciliação periódica de obrigações e outros detalhes.

Esses planos deverão ter metas graduais para cada período de compromisso de redução de emissões e ser aprovados com antecedência mínima de 12 meses de sua vigência. Terão ainda de estimar a trajetória dos limites de emissão de gases de efeito estufa para os dois períodos de compromisso subsequentes e considerar a necessidade de garantir cotas adicionais para eventuais novos operadores sujeitos à regulação (uma nova fábrica, por exemplo).

Na definição do limite de emissões, deverá ser seguida a proporção entre as emissões dos setores regulados e as emissões totais do País, devendo-se observar a proporção entre as emissões e o número de unidades do bem produzidas, assim como as variações dos volumes produzidos em razão de aspectos mercadológicos ou mudanças na capacidade instalada da fonte emissora de gases.

Já as cotas de emissão dos poluentes serão alocadas em função:

  • do desenvolvimento tecnológico;
  • dos custos marginais de abatimento;
  • das remoções e ganhos históricos de eficiência; e
  • de outros parâmetros definidos pelo órgão gestor.

Tributação
A tributação dos ganhos com a negociação dos títulos ou mesmo de créditos de carbono seguirá a legislação vigente do Imposto de Renda para cada contribuinte, devendo ser classificados como ganhos líquidos se a negociação ocorrer em bolsas de valores, de mercadorias e de futuros e em mercados de balcão organizado. Nos demais casos, segue a tributação de ganho de capital.

As regras valem ainda para qualquer participante no mercado secundário de títulos.

Quando da inclusão dos ganhos na base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), poderão ser deduzidas as despesas com a redução ou remoção de emissões de gases de efeito estufa vinculadas à geração dos certificados e dos créditos de carbono, inclusive gastos administrativos e financeiros com a emissão, registro, negociação, certificação ou escrituração.

Essas deduções valerão ainda quando do cancelamento de títulos para compensar emissões de gases, seja no mercado regulado ou de maneira voluntária.

Apesar da incidência do Imposto de Renda, as receitas não pagarão PIS e Cofins.

Reserva legal
A recomposição, a manutenção e a conservação de áreas de preservação permanente (APPs), de reserva legal ou de uso restrito e de unidades de conservação poderão gerar créditos de carbono, nos termos de regulamento.

Seguradoras
Também as seguradoras, as entidades abertas de previdência complementar, as sociedades de capitalização e as resseguradoras locais deverão comprar um mínimo de 1% ao ano de ativos ambientais para compor suas reservas técnicas e de provisões.

Saiba mais sobre o projeto que regulamenta o mercado de carbono

O Projeto de Lei 182/24 recepciona a figura dos créditos de carbono, já em uso por fora de um mercado regulado, aplicando a eles algumas das regras criadas para os certificados de redução ou remoção de gases (CRVEs).

Assim, os créditos de carbono poderão ser gerados por projetos ou programas de preservação e reflorestamento ou outros métodos de captação de gases do efeito estufa. Os rendimentos obtidos com eles serão tributados pelas mesmas regras dos certificados.

No entanto, para os créditos atuais gerados no mercado voluntário por meio da manutenção da floresta ou manejo sustentável serem habilitados como CRVE, é necessária certificação da efetiva redução ou remoção de carbono segundo metodologia credenciada.

Devem também ser mensurados e relatados por entidade independente em relação aos responsáveis pelo projeto de sua geração e estar inscritos no registro central do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Quando ocorrer uma compensação voluntária de emissões, ou seja, fora do ambiente regulado do SBCE, o certificado usado deverá ser cancelado no registro central.

Terras indígenas
Povos indígenas e comunidades tradicionais, como quilombolas, poderão comercializar, por meio de suas entidades representativas, CRVE ou mesmo créditos de carbono.

No entanto, algumas condições deverão ser seguidas, como consentimento da comunidade após consulta livre, prévia e informada a ser custeada pelo desenvolvedor do projeto, sem ônus aos povos indígenas e às comunidades tradicionais.

Outro requisito é uma repartição justa e equitativa, além de gestão participativa dos benefícios monetários. Esses povos terão direito a pelo menos 50% do que for gerado por créditos de carbono ou CRVEs e a pelo menos 70% se decorrentes de projetos de REDD+.

Para esse público participante e também para assentados da reforma agrária, deverá ser dado apoio por meio de programas e projetos voltados às atividades produtivas sustentáveis, à proteção social, à valorização da cultura e à gestão territorial e ambiental.

Os contratos deverão ter cláusula contratual prevendo indenização por danos coletivos, materiais e imateriais decorrentes desses projetos e programas.

Outras terras
Além das terras indígenas e de comunidades tradicionais, poderão ser objeto de programas de geração de CRVE ou de créditos de carbono as unidades de conservação integral ou de uso sustentável com plano de manejo; os projetos de assentamentos da reforma agrária; e as florestas públicas sem destinação.

Já o desenvolvimento desses projetos e programas ou de créditos de carbono nas áreas de domínio público deverá estar vinculado a procedimentos de acompanhamento, manifestação e anuência prévia dos órgãos responsáveis pela gestão dessas áreas.

REDD+
Em antecipação à evolução de discussões no âmbito das conferências das partes sobre mudanças climáticas (COPs), o projeto reconhece a possibilidade de pagamentos por resultados ligados à conservação dos estoques de carbono florestal, incluindo o aumento desses estoques e o manejo sustentável de florestas.

Conhecida pela sigla internacional REDD+, essa iniciativa ainda não é aceita pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima como atividade elegível para mercados de carbono. Entretanto, consensos estão se formando entre os países participantes em torno de considerar as atividades de REDD+ como redução e remoção de gases do efeito estufa.

Nesse sentido, o texto admite o reconhecimento de ações e atividades de preservação do REDD+ como geradoras de CRVE, mas seguindo os limites reconhecidos pela convenção-quadro da ONU para os resultados de mitigação.

Terras públicas e privadas
Esses programas de REDD+ poderão incluir terras públicas ou, mediante adesão, terras privadas, cujos proprietários poderão optar por sair do programa com a consequente proibição de venda dos créditos por eles gerados.

Segundo o texto, em uma abordagem “não mercado”, o governo poderá pagar por resultados passados de redução de emissão por regeneração natural em vegetação nativa em terra privada. Esses proprietários poderão, a qualquer momento, pedir sua saída do programa se entrarem em outro projeto de geração de crédito a fim de evitar dupla contagem de emissão evitada.

Outro tipo de programa REDD+ poderá ter abordagem de mercado por meio de projetos envolvendo terras privadas com geração de créditos negociáveis.

Haverá ainda o REDD+ de manejo sustentável, direcionado a florestas concedidas para manejo.

Transferência internacional
A transferência internacional de resultados de mitigação dos efeitos dos gases do efeito estufa deverá seguir critérios e condições do Comitê Interministerial do Clima (CMI), gestor do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Para isso, deverão ser levados em conta o regime multilateral sobre mudança do clima e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na redução de suas emissões.

Serão estabelecidos limites para essas transferências de acordo com as metas nacionais. Já a criação de Cota Brasileira de Emissões (CBE) ou de CRVE não indica direito de autorização para transferência internacional de resultados de mitigação.

De igual forma, para serem utilizados em transferência internacional, os créditos de carbono gerados no Brasil como resultado de mitigação deverão ser registrados como CRVEs, e essa transferência somente poderá ocorrer com autorização prévia do Ministério do Meio Ambiente.

Reportagem – Eduardo Piovesan
Edição – Pierre Triboli

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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